domingo, 18 de agosto de 2013

A reapropriação da cidade



por Silvio Caccia Bava
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O resultado das eleições abre um novo período de gestão municipal que começa em janeiro. A sensação que dá, tendo acompanhado as campanhas eleitorais, é de que a questão da democracia foi deixada de lado; ninguém colocou o tema da democratização da gestão, da descentralização da gestão, da participação cidadã, como eixo fundamental de sua campanha. É como se as soluções tecnocráticas prevalecessem e os “bons” governantes fossem a solução. Chegamos mesmo a assistir nesta gestão que termina nas principais cidades do país – São Paulo e Rio de Janeiro – a iniciativas que apontam para a militarização da gestão pública. No Rio de Janeiro, a “pacificação” dos morros pela ocupação militar, o modelo UPPs. Em São Paulo, a escolha de coronéis aposentados da PM para atuarem como subprefeitos. É impressionante como os temas da democracia e da participação cidadã sumiram da agenda pública.


Está colocado um desafio para a sociedade e para os próximos governantes. Democracia e participação cidadã são a única via para lutar por cidades justas, democráticas e sustentáveis, para enfrentar as desigualdades sociais gritantes, reorientar as políticas públicas e melhorar a vida de todos, garantindo o direito à cidade. Ou a gestão se democratiza, ou é capturada pelos interesses corporativos.

E há toda uma história de lutas sociais, de mobilizações, que trouxeram grandes ganhos para a administração pública e para a população. Basta dizer que o SUS, nosso Sistema Único de Saúde, considerado referência mundial por seu trabalho, é fruto do movimento de saúde nascido na zona leste de São Paulo. Sua qualidade e sua eficiência são fiscalizadas pelos Conselhos de Saúde, e a política é avaliada por conferências municipais, estaduais e nacional a cada dois anos. Dezenas de milhares de pessoas participam desses processos.

Mas há toda uma política tradicional a enfrentar. Como promover um projeto de democratização e participação se a lógica da política é lotear entre os aliados as subprefeituras e secretarias para que eles, em cada uma dessas instâncias, possam tirar proveito político do cargo que ocupam? A agenda da reforma política não pode se limitar à luta pelo financiamento público das campanhas eleitorais, ainda que isso seja essencial.

Descentralizar o governo das cidades e criar mecanismos inovadores de gestão e participação cidadã é um projeto político de socialização do poder, de inclusão social e de aumento da eficiência na prestação dos serviços públicos. Significa romper com o controle político das elites locais e com as formas burocráticas, corruptas e clientelistas de governar; significa mudar o desenho das instituições e seu funcionamento, para impulsionar um processo de mudanças sociais e atender às múltiplas dinâmicas da sociedade.

A descentralização e a democratização da gestão municipal inauguram uma aproximação do governo com a sociedade, um novo olhar dos gestores para reconhecer as particularidades das relações da cidadania com seus territórios, a configuração dos espaços urbanos, suas tendências econômicas, suas novas centralidades regionais, suas dinâmicas sociais e culturais. Mais do que tudo, permitem recuperar a capacidade de intervenção dos cidadãos enquanto atores coletivos e do poder público como regulador da vida social, capaz de impulsionar processos de negociação entre os distintos atores e forças sociais presentes nas cidades.

O significado do projeto de descentralização e participação é garantir a reapropriação da cidade por seus cidadãos; criar novos territórios públicos de construção da cidadania; impulsionar novas formas de sociabilidade e uma nova cultura política assentada em solidariedade, justiça social, equidade, fortalecimento da sociedade civil, participação, autonomia, respeito e garantia dos direitos pessoais.

Em São Paulo, depois de longos anos de lutas e de pressão social, foi incluída, em 2004, na Lei Orgânica do Município, a criação de Conselhos de Representantes junto a cada uma das subprefeituras, nos quais representantes dos moradores, eleitos pela população local, exerceriam o papel de fiscalização e propositivo na relação com a subprefeitura. Em 2005, quando se organizavam as primeiras eleições para os Conselhos, e o prefeito era José Serra, o Ministério Público Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (Adin) contra a criação dos Conselhos. Uma liminar suspensiva até o julgamento da matéria, que perdura até hoje, abortou a criação dos Conselhos. O julgamento é político, é contra a participação, e o argumento é que os representantes não poderiam receber como funcionários públicos, uma total inverdade ou desconhecimento de causa.

Todos os novos prefeitos têm o desafio de garantir o apoio da sociedade à sua gestão. Descentralizar e abrir o governo à participação cidadã é um meio de garantir mais acertos e dividir os erros. O povo quer mudanças, quer sentir que este novo governo é seu.


 Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil


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